No dia 18 de outubro de 2008 nasceu o Lucas, libriano com ascendente em câncer. Mas o parto começou muito antes, lá pelo mês de abril, quando as leituras e discussões de como nasceria meu filho me envolveram. Empolgada, na segunda consulta do pré-natal iniciei a conversa com o médico.
Ele me acompanhava havia quase dez anos e sempre nos demos muito bem . Mas fiquei com a pulga atrás da orelha quando ele disse que era muito cedo pra falar sobre o parto. Hoje, depois de conversar com muitas mulheres agredidas por uma cesárea desnecessária (ou desnecesárea, se preferir), descobri que essa é a postura de muitos obstetras. “Na hora vamos ver como seu corpo evolui” ou “Se não tivermos nenhum problema, o parto é normal. Mas nem eu nem você queremos arriscar a vida do seu filho” são respostas muito comuns dadas a mulheres que acabam cortadas sem querer. Não é à toa que o Brasil tem mais de 44% de cesáreas e os principais hospitais particulares de São Paulo têm de 90 a 95%, quando o máximo aceitável para a Organização Mundial de Saúde é de 15%.
Pensei em ouvir outro médico quando a Lia, uma amiga muito querida, falou sobre o Gama (Grupo de Apoio à Maternidade Ativa). Fui aos encontros de gestantes, entrei na lista de discussão online e uma lâmpada se acendeu na escuridão. Ouvi relatos de partos naturais, partos normais cheios de intervenções e cesáreas. Conheci pessoas realmente comprometidas em respeitar a vontade de pais e mães no nascimento de seus filhos. Recebi a indicação de livros, artigos e sites. Frequentei aulas de ioga. Conhecia as excelentes profissionais que me acompanharam. E dividi dúvidas e emoções com as queridas Maternas, como chamamos a mulherada do Gama. Foram seis meses intensos que me fizeram optar por uma parto domiciliar. Mas…
Com 35 semanas (quatro semanas antes das 40 calculadas como data provável, duas antes das 37 necessárias pro parto em casa) caiu o tampão, a mucosa que sela o colo do útero. Era um sinal de que o corpo se preparava para a chegada do bebê, o que podia levar até um mês. Mas desde esse dia, o Sergio já não dormiu. Desmarcou duas viagens que faria naquele mês e vivia ansioso, perguntando a cada minuto se eu já sentia AS contrações.
Na semana seguinte, fomos à consulta regular do pré-natal e ouvimos da Andrea, nossa obstetra, que o útero tinha alguma dilatação, mas que não era motivo pra ansiedade. Mesmo assim, achei prudente parar de trabalhar na quarta, dia 15. Fiz alguns exames na quinta e na sexta de manhã, quando ouvi da atendente do laboratório: “Vamos ver quem chega primeiro, bebê ou o resultado.”
Aliás, que coisa doida, desde que perdi o tampão recebi muitos telefonemas de pessoas queridas que, mesmo sabendo que faltava um mês, perguntavam “se estava tudo bem”. Fui parada na rua pelo menos três vezes por gente que me mandava pra casa porque que o bebê já ia nascer. Algo me dizia que seria logo mesmo, mas como saber se era intuição ou ansiedade?
Bom, naquela sexta passei no banco pra pagar contas e resolver as burocracias que ainda me preocupavam e fui pra casa da minha mãe. Conversamos muito, tomamos um lanche reforçado e eu dormi por duas horas. Quando acordei, às 20h30 fui pro banho. Encontraria o Sergio, depois de uma palestra que ele dava naquela noite, pra ir ao aniversário da Débora. Liguei o chuveiro e me deu uma vontade doida de fazer cocô. Corri pra privada. Fiz muito pouco pra tanta dor. Como doía! Mas passou e quando pensei em levantar pra voltar pro chuveiro, outra dor. Nossa… será?
Dei um tempo e retomei o banho. Depois de uma dorzinha leve, outra dor insuportável, um período grande de folga, uma dor média e outra dor leve. Será??? “Não Bianca. No trabalho de parto ativo as contrações são regulares, na intensidade da dor e nos intervalos. A barriga fica bem dura, lembra? Você não está em trabalho de parto!”, eu repetia. Desde o sétimo mês eu sentia as contrações de Braxton Hicks, mas aquilo era bem diferente. O que estava acontecendo? Se eu não entendia, minha mãe menos ainda. Enquanto eu tentava tomar banho ela ficou abaixada, toda fofa, dizendo que se o bebê caisse ela segurava… rs
No meio do rodo ligou a Marli, amiga da minha mãe, que correu pra lá com o marido. O Zé é enfermeiro e foi a pessoa sensata a me ajudar a contar contrações. Ou pelo menos tentar, já que era uma, dois minutos depois outra, vinte minutos depois outra. O que era aquilo? Liguei pra médica: “Andrea, desculpa, sou a grávida mais mala do ano. Não estou em trabalho de parto, mas tem algo estranho”. Expliquei a situação e ela sugeriu que eu fosse pro hospital onde ela estava induzindo um parto, só pra uma avaliação. Liguei pra Cris Balzano, minha doula, só pra avisar e ela me acalmou muito: “Querida, mesmo com 36 semanas, se ele quiser nascer é porque está pronto”. Por mais que eu soubesse disso, foi incrível ouvir de alguém em quem eu confiava totalmente, naquele tom tão suave. E com a paz que passei a sentir, consegui contar contrações regulares, de 5 em 5 minutos.
Duas horas depois da primeira dor cheguei ao hospital, às 22h30. Liguei muitas vezes para o Sergio mas o celular estava desligado. Ai, Deus! Tentei ligar pra Ana Cris, minha amada parteira, mas apaguei o número dela sem querer. Minha mãe ficou na burocracia e eu fui com a Marli pro cardiotoco, checar os batimentos do bebezinho. Mas antes passei no banheiro e vomitei muito. Tudo o que não era bebê terminou de sair de mim. Tive certeza de que era hora.
Antes de a Andrea chegar, uma enfermeira fez o toque: sete centímetros de dilatação. Como assim??? Era mesmo hora! Mas eu estava tensa, tentando ajudar a Marli a responder uma série de questionários do hospital e com muita vontade de fazer cocô de novo. Corri pro banheiro e consegui falar com o Sergio: “Estou no hospital, pega as malas e vem pra cá”. Aliás, dá pra ler a versão dele pro parto aqui.
Liguei pra Cris. “Meu Deus, menina, tô indo praí”, ouvi de uma voz menos tranquila. Eu era puxada pra um transe, mas não conseguia me entregar, queria prestar atenção pra que não fizessem nada de “errado”. Uma enfermeira simpática do hospital me trouxe uma bola “Vocês costumam usar isso. Você quer?” Nossa, como queria! Rebolar sobre a bola ajudou muito a suportar a dor das contrações. Mas o “vocês” dela era muito engraçado. E a cada nova funcionária do hospital que aparecia, uma outra alertava: “Ela é paciente da Dra Andrea”, num tom de “Não coloque as mãos porque ela é uma daquelas doidas que pari na água sentindo dor em rituais estranhos!” rs
Chegou a Ana Cris e nunca foi tão bom ver alguém. Chegou a primeira que garantiria que tudo sairia segundo a minha vontade. Relaxei e me entreguei à Partolândia. Tanto, que lembro com dificuldade o que aconteceu depois disso.
Eu queria ficar na sala de parto normal, mas disseram que só era possível depois de 37 semanas, as mesmas necessárias pro parto em casa. Logo a Andrea também chegou e negociou que eu poderia ficar na sala até o período expulsivo. Ela encheu a banheira e temperou a água do chuveiro pra mim, minha médica-doula 😉 Fui para o chuveiro e era ótimo sentir a água caindo. Por um tempo a dor das contrações era amenizada com a água batendo nas costas, mas depois eu queria oura posição. Não imagino o que seja ficar parada, deitada numa cama em trabalho de parto… Que crueldade! É ótimo se mexer, dá um fôlego novo, torna tudo mais suportável.
Do chuveiro fui pra banheira e nessa hora a Cris chegou. Ufa! As três estavam lá. Me sentia ainda mais pronta e relaxada. O Sergio e minha mãe que não se ofendam, mas elas me davam a segurança de que eu precisava pra entregar meu corpo às contrações. “Deixa vir, Bianca, não segura. Se entrega pra contração que é o seu bebê chegando”, elas diziam.
Em alguns momentos elas me deixavam sozinha, no escurinho, vivendo aquele momento tão único. E mesmo com toda a dor, aquilo era muito bom! Em um desses intervalos o Sergio chegou. Tínhamos conversado muitas vezes sobre o parto e ele não participaria. Morre de medo de sangue e detesta ver rosto com dor. E eu, muito estúpida, disse pra ele: “Nossa, dói muito, tô com mutia dor”. Brilhante! Depois de um abraço e um beijo na testa ele disse: “Vou chamar sua mãe, tá?” rs
Eu já estava no expulsivo quando precisei ir pra uma sala cinza, cheia de aparelhos metálicos. A cena era bizarra: uma sala grande com uma cama hospitalar no centro e diversos holofotes sobre ela. Três enfermeiras do hospital ao lado da cama, observando as doidas no chão. Eu de cócoras, minha mãe me apoiando, Cris de um lado, Ana Cris de outro, Andrea na frente (todas sentadas no chão) e a Bruninha num banco atraś da Andrea. Todo aquele aparato e a gente num cantinho, criando o nosso espaço. A Cris colocou um espelho pra eu ver o que estava acontecendo.
A Andrea me ensinou a fazer força de um jeito eficiente. Quando viesse a contração eu devia inspirar uma, duas vezes e na terceira expirar fazendo força. Isso criou um ritmo que ajudou muito. E o mais incrível: o Lucas percebeu o ritmo e bem na hora em que eu fazia força, sentia os pezinhos dele empurrando de dentro da barriga. Muito emocionante!
Quando vinha a contração eu conseguia ver o cabelinho do Lucas pelo espelho. Depois, via o cabelinho o tempo todo. Saiu a cabecinha e eu ouvi da Andrea: “Que boquinha linda!” Eu estava muito feliz. Outra força e 0h50 saiu o corpinho todo. Ele veio pro meu colo, todo lambuzadinho. Que saudade eu já sinto! Ele resmungando na minha frente, minha mãe chorando atrás e eu sentindo uma força espiritual imensurável. Sabia que tinha muita força ali, sentia minhas avós e a presença de todas as mulheres fortes com quem tenho a sorte de conviver. Toda a dor passou naquele instante. Meu filhinho estava nos meus braços. Lembro que conversei com ele, que disse que o amava, que agradeci por ter ajudado tanto no parto… Foi lindo!
Esperamos o cordão parar de pulsar e a Bruna o cortou. Depois disso, saiu pra contar pro pai. Mesmo prematuro, o Lucas nasceu super bem! Mamou na primeira hora de vida, mas, infelizmente, sofreu intervenções desnecessáreas no hospital. No parto que planejamos, um neonatologista dessa equipe cuidaria dele assim que nascesse. Infelizmente, nenhum estava disponível naquela hora. Mas isso conto em outro post que esse já foi loooongo demais.
Este post foi publicado originalmente no blog Pé de Manga, do portal Planeta Sustentável da Editora Abril: http://planetasustentavel.abril.com.br/blog/pedemanga/136624_post.shtml
2 comentários em “Quando pari o Lucas ou Relato de Parto Natural Hospitalar”
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