Nove meses depois, ainda não me sinto preparada emocionalmente para escrever esse relato. Mas preciso fechar um ciclo. Ao entregar esse depoimento para o commons e compartilhá-lo na lista Materna, cumpro meu combinado com essa rede de mulheres, que tanto me ajudaram, e posso me despedir. O chamado parto natural humanizado, a defesa e o apoio à amamentação seguem como temas importantes, mas não ocupam mais os meus dias.
Enquanto planejava um parto domiciliar pela terceira vez, como se pode atestar aqui, minha pressão subiu (mesmo sendo medida deitada de lado, no braço oposto ao que me apoiava, dez minutos depois de qualquer esforço físico) , fiquei extremamente inchada, e escapava proteína na minha urina (comprovado por um exame de fitinha no consultório seguido por uma porrada de exames hospitalares).
Pollyana que sou, imaginei que teria que caprichar nos hots (hot bath, hot food e hot sex) para tentar antecipar o parto domiciliar; se não desse certo teria que ir para o hospital alguns dias (ou semanas) depois. A Ana Cris, parteira que me acompanhava pela terceira vez, foi até minha casa e tentou dizer com sutileza que não era bem isso. Só entendi quando ela objetivou em palavras: “Querida, pré-eclâmpsia não é mais baixo risco. O parto precisa ser no hospital. Precisamos ir pra lá e começar a induzir daqui a … duas horas.” Oi? Como assim? Pré-eclâmpsia é mesmo um risco pra mãe e pro bebê, então? O Google que eu havia lido na noite anterior – quando chorei por medo de morrer e deixar meus dois filhos – estava correto? Não era exagero?
Tenho certeza de que fiquei em paz porque tinha feito uma sessão de acupuntura naquela tarde. A intenção era pressionar alguns pontos que agilizassem o trabalho de parto (afinal, eu sabia da pré-eclâmpsia, por mais que quisesse ignorar o significado dela). Eu estava tão tensa que praticamente não deu pra estimular nenhum desses pontos. Mas foi essencial pra me acalmar pro que estava por vir. Ao contar pra Fê Nakamura, a acupunturista incrível, o que estava acontecendo, ela foi certeira: “Você parece uma panela de pressão. Uma das teses para explicar a pré-eclâmpsia tem a ver com o o corpo da mãe rejeitar o bebê e a placenta. Como foi essa gravidez? Você está com medo?” OK, OK. Minha vontade era responder que eu só queria que ela apertasse uns pontinhos pro bebê sair logo. Eu não queria contar que aquela gravidez não havia sido planejada (e até onde consigo perceber também não foi desejada), que engravidei na maior crise do meu casamento, que abandonei o emprego estressante de que eu gostava muito, pagava as contas e garantia o plano de saúde, que eu tinha me sentido fracassada porque o aborto não era uma possibilidade pra mim (por mais que eu acredite ser uma escolha legítima da mulher), que eu estava voltando a pensar o que era a vida além-maternidade quando descobri que estava grávida. Contei isso tudo pra ela. Chorei muito. E acredito mesmo que a pré-eclâmpsia é fruto dessa combinação.
Ainda estou me adaptando à vida com três filhos, ainda estou tentando descobrir quem é a Bianca além-maternidade e não tem sido fácil. Mas preciso registrar o quanto tenho aprendido com a Cecília. O quanto ela é tranquila, carinhosa, inteligente e linda. O quanto minha relação com o pai dela e comigo mesma cresceu depois que ela chegou. O quanto os irmãos são apaixonados por ela. O quanto sou feliz por ser mãe dela.
Esse foi o primeiro parto que o Sergio assistiu, em todos os sentidos, o tempo todo. Desde a internação e a colocação de um comprimido no colo do útero para estimular contrações. A caminhada eterna pelo corredor para tentar engrenar. A ocitocina sintética na veia que provoca dores absurdas (e muito diferentes das provocadas pelo próprio corpo, naturalmente). Os gritos na banheira. O vômito no pediatra (pobre do Cacá que tinha acabado de chegar). O apoio pra eu ficar de cócoras. A cabecinha saindo na minha mão e depois o resto do corpo. A Cecilia molinha e o nosso desespero por achar que ela não estava bem. A mágica do Cacá, que com uma massagem sutil, com ela ainda nos meus braços, a fez corar, chorar e mamar.
Além do Cacá e da Ana Cris fui acompanhada pela obstetra Andréa Campos. Eu já conhecia, admirava e sentia muita gratidão por essa equipe, pelos partos anteriores. Pari naturalmente e amamentei graças ao apoio desses excelentes profissionais. Sai desse parto sentindo que devia muito mais a cada um deles. Sem o olhar atento, sensível e preciso da Ana Cris e da Andréa eu e a Cecília podíamos ter morrido. Sem a absurda competência (e a magia evidente) do Cacá, a Cecília teria sido tirada de mim nos primeiros minutos de vida para ser reanimada e, provavelmente, teria ficado sob os cuidados médicos e longe de mim por muito tempo.
Sigo, aos poucos, tentando elaborar melhor essa história. Agradeço muito ao Sergio por tanto amor e por ter ficado comigo o tempo todo, à Bruninha que veio com a ocitocina, à minha mãe que chegou um minuto depois da Ciça, ao Lucas e ao Pedro que foram tão companheiros, às minhas amigas que aguentaram meus medos e me ajudam a descobrir novas interpretações para essa história todos os dias, às maternas que provam como a rede é essencial, à Fê Nakamura, à Andréa, à Ana Cris e ao Cacá por serem pessoas lindas, profissionais competentes e encontrarem maneiras de exercer o que acreditam em condições tão adversas.
Sigo, aos poucos, tentando elaborar melhor essa história…
Olá Bianca! Sei bem o que você passou, pois tive o primeiro filho aos 23 sem nenhum conhecimento. Aos 38 tive uma gestação maravilhosa até o 6º mês e de repente este “fantasma” apareceu. Logo eu que, teoricamente não fazia parte do chamado “grupo de risco” por ser magrinha e praticar esportes, sem nunca ter conhecido a tal pressão alta. A danada foi a 26, três dias monitorada, cesária de emergência e pré-coma de 18 horas. Marcos Andre, dia 29 fará 11 anos. Tirá-lo da encubadora para mamar e senti-lo sugar como um leãozinho foi uma bênção do céu! Força e fé que seu bebê se tornará mais uma vitoriosa!
Olá Bianca!