Uma usina hidrelétrica, mais de 30 anos depois de sua construção (e de toda a destruição que causou)

Estou mais distante das conversas sobre Belo Monte do que deveria. E isso tem pesado. Principalmente porque, entre 2005 e 2006, mergulhei nas descobertas sobre o período de construção da barragem e da usina de Sobradinho e sobre o que aconteceu com as pessoas que viviam nos territórios alagados. Em três viagens, de cerca de um mês cada uma, eu, Marcella Chartier, Lia Coldibelli e Luciana Scuarcialupi percorremos as cidades construídas ao redor da represa de Sobradinho, muitas cidades e povoados na beira baiana do São Francisco, e a cidade de Serra do Ramalho, construída a muitos quilômetros de distância para abrigar os desalojados pela grande obra do regime militar (não lembro a quilometragem exata e não vou procurar agora, mas logo publico em outro post mais informativo).

No desejo da época de ser boa jornalista – perseguindo a impossível imparcialidade – além de ouvir muitos lados, concluímos o livro deixando duas falas no ar: a do engenheiro responsável pela obra e a do bispo D. José Rodrigues, que trabalhou arduamente com a população ribeirinha do São Francisco na década de 1970. O engenheiro dizia que, no dia de sua morte, as 70 mil pessoas que tiveram que sair de sua terra por conta de Sobradinho iam rezar pra que ele fosse pro inferno; mas milhões de nordestinos beneficiados direta ou indiretamente pela obra rezariam pra que ele fosse pro céu. Já o bispo falava da necessidade de se investir em novos modelos de produção de energia e, principalmente, da crueldade com que a população foi tratada durante e depois da desapropriação. Por mais que o miolo do livro apresente histórias e mais histórias de pessoas lindas e sábias que mostravam a sua visão dos fatos (como o sr. Gumercindo aí embaixo), não tivemos coragem de nos assumir jornalistas-guerrilheiras e escrever nossa opinião diante de tantas leituras, entrevistas e pesquisas: que a construção de barragens diz respeito a um modelo de vida em que não acreditamos e que, por isso, escreveríamos contra a construção de novas barragens!

Rosangela Petta, jornalista de primeira, nos orientou e incentivou oficialmente. E, extra-oficialmente, diversos professores e professoras, amigas e amigos fizeram o mesmo. Na época, enchemos uma página inteira de agradecimentos para não cometer injustiças, mas agora me dou a licença de agradecer especialmente aos professores Liraucio Girardi Júnior, Francisco José Nunes, Welington Andrade, Pedro Ortiz e às professoras Rosangela Petta, Vera Lucia Fiordolina e Regina Soler (com quem encontrei em uma livraria nos primeiros dias do ano e, num misto de dureza e ternura, exigiu que a gente tirasse o material da gaveta ;)). Mencionar amigas e amigos nominalmente é mais difícil. Pânico de esquecer alguém quando tanta gente ajudou tanto… Mas vamos lá: Daniela B. Silva, Raphael Prado, Itamar Cardin, Débora Pivotto, Paulo Darcie, Marina Terra, Daniel Lima, Adriano de Luca. Perdão se esqueci alguém?

Foi muito intenso! Em tudo o que vimos, ouvimos e sentimos. Nos exageros e destemperos das nossas relações como grupo. Na pretensão de fazer um trabalho perfeito. Na frustração de não ter o resultado que esperávamos. Na ressaca de tudo isso misturado. Então enrolamos e enrolamos até decidir baixar a bola e não querer fazer o melhor trabalho de todos os tempos. Temos umas 2 mil imagens (é isso, não é Leia?), um PDF de livro, 18 horas de áudio (em fita-K7, claro) e 57 horas de vídeo em mini-DV. Ontem decidimos que vamos publicar este material bruto, quando for possível, sem cobranças ou desespero. Tudo devidamente licenciado em Creative Commons pra ver se alguém se anima a remixar o material.

Comecei hoje subindo algumas fotos, que a Lu buscou na casa da Lia na madrugada de ontem, no Flickr do Cama de Baleia.

E o Pedro Markun (obrigada, Pedrinho :)) subiu um WordPress pra gente.  Logo, ou não tão logo, publicaremos mais coisas por lá.

Todas as fotos deste post, assim como as do Flickr, são da Lia Coldibelli.

3 comentários em “Uma usina hidrelétrica, mais de 30 anos depois de sua construção (e de toda a destruição que causou)

  1. A usina de belo monte é um avanço econômico para nosso país assim como a da cidade que moro, Sobradinho. Precisamos abraçar o progresso já que queremos que o Brasil seja um país desenvolvido.

    1. Caro Ítalo, obrigada pela interlocução. Mas a pergunta que te faço é que modelo de desenvolvimento queremos para o nosso país. Eu, sinceramente, preferiria que não destruíssemos modos de vida para sustentar um modelo que chamamos de desenvolvido…

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